As neoplasias malignas são a segunda causa de morte nos países desenvolvidos, após as doenças cardiovasculares, sendo responsáveis por cerca de 25% das mortes. Estima-se que nos países desenvolvidos cerca de 1/3 da população desenvolverá câncer durante a vida e que 70% do total morrerão em conseqüência da doença. Anualmente morrem cerca de 150.000 pessoas no Reino Unido e 500.000 pessoas nos Estados Unidos devido a neoplasias como carcinoma de próstata, carcinoma de pulmão, carcinoma de cólon e reto, carcinoma de mama, carcinoma uterino, carcinoma renal e de bexiga, linfomas e leucemias, conforme mostrado no Quadro 1 abaixo. Embora o carcinoma de próstata e o câncer de mama sejam, na atualidade, as neoplasias mais comuns nos Estados Unidos, segundo o Instituto Nacional do Câncer daquele país (NCI), com a diminuição da mortalidade devido a problemas cardiovasculares e aumento da longevidade, o problema do câncer tende a aumentar. A idade é o fator mais importante vinculado à incidência e mortalidade por câncer. A incidência de câncer duplica em intervalos de 5 anos após os 25 anos de idade. Alguns tipos de neoplasias possuem maior incidência na faixa dos 60 a 80 anos, como carcinoma de próstata, estômago e cólon enquanto outras apresentam maior incidência nos primeiros anos de vida, como a leucemia linfoblástica aguda. Existem diferenças geográficas na incidência do câncer, de forma ainda pouco conhecida, mas provavelmente relacionada a mudanças na dieta, entre outros fatores. O câncer de pulmão tem maior incidência relacionada a um fator ambiental, o tabagismo, em indivíduos com predisposição genética específica.
Quadro 1 - Formas mais comuns de Neoplasias
Formas mais comuns de Neoplasias | |||
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Homens-incidência (mortalidade/100.000) | Mulheres-incidência (mortalidade/100.000) | ||
1. Próstata | 150/100.000 (25) | Mama | 110/100.000 (26) |
2. Pulmões | 73/100.00 (71) | Pulmões | 42/100.000 (33) |
3. Colorretal | 53/100.000 (22) | Colorretal | 37/100.000 (15) |
4. Bexiga | 28/100.000 (6) | Útero | 30/100.000 (6) |
5. Linfoma | 22/100.000 (9) | Ovário | 15/100.000 (6) |
6. Orofaríngeo | 22/100.000 (6) | Linfoma | 15/100.000 (6) |
7. Melanoma | 15/100.000 (3) | Melanoma | 10/100.000 (2) |
8. Leucemia | 13/100.000 (8) | Leucemia | 8/100.000 (5) |
9. Rim | 12/100.000 (5) | Pâncreas | 7/100.000 (7) |
10. Estômago | 11/100.000 (6) | Bexiga | 6/100.000 (2) |
Profilaxia do Câncer
Estudos populacionais mostram que a prevenção primária do câncer pode ser feita com modificações no estilo de vida, reduzindo, assim, a incidência de alguns tipos de câncer. Embora o câncer de próstata e de mama sejam as neoplasias mais comuns em cada sexo, o câncer de pulmão é a causa mais comum de morte em ambos os sexos. Por isso, a prevenção do tabagismo pode ajudar na profilaxia de um terço de todas as formas fatais de neoplasias, incluindo o câncer de pulmão. Uma redução de 30 % no consumo de tabaco reduz em 10% a mortalidade por câncer. A dieta é outro fator importante na prevenção do câncer. O maior consumo de frutas e vegetais ajuda na prevenção do câncer, enquanto dietas ricas em gordura estão associadas a maior risco de câncer de mama, de cólon, de próstata e de pulmão. Estudos epidemiológicos recentes (Nurse's Health Study, da Universidade de Harvard) questionam o papel do menor consumo de gorduras e a sua relação com câncer de mama, bem como o maior consumo de fibras e a diminuição do câncer de cólon. A quimioprofilaxia também possui papel importante na prevenção primária do câncer. O uso de protetores solares ajuda na profilaxia do câncer de pele. Medicamentos podem exercer um efeito profilático, como a isotretinoína, em doses de 30 mg/dia na prevenção de neoplasias epiteliais na cabeça e pescoço, novos retinóides como o fenretinide estão sendo avaliados na prevenção do câncer de mama e de próstata. Estudos sugerem benefício da vitamina E na redução da incidência de câncer de próstata, do ácido acetilsalicílico em baixas doses (dias alternados) na prevenção de neoplasias gastrintestinais (cólon, esôfago, estômago e reto), do tamoxifeno na prevenção do câncer de mama, do raloxifeno na diminuição do câncer de mama e de endométrio, da finasterida na profilaxia do câncer de próstata, da vitamina E do selênio na redução da incidência de câncer de próstata . Um grande número de ensaios clínicos está em andamento para avaliar dietas ricas e pobres em fibras na prevenção de neoplasia intestinal, bem como de novos medicamentos (detalhes atuais em cancertrials.nci.nih.gov). Estudos epidemiológicos sugerem a existência de um papel protetor do consumo diário de moderado de café ( 4 xícaras ao dia) na prevenção do câncer de cólon. Outras pesquisas avaliam o possível papel protetor do café contra o câncer de pulmão e de próstata, sem dados conclusivos ainda. Pesquisas básicas mostram que o café possui compostos polifenólicos (ácidos clorogênicos) antioxidantes e diterpenos como o cafestol que possuem ação anticancerígena.
O câncer não é uma doença isolada, mas um espectro de doenças que podem surgir em qualquer tecido do corpo humano e se disseminar para qualquer outro tecido. Cada tipo de câncer tem um padrão característico de crescimento, apresentação, bem como abordagem diagnóstica, estadiamento e tratamento. Câncer é uma palavra derivada do grego karkinos, que significa caranguejo. Na atualidade é usada para designar uma anomalia da multiplicação celular (malignidade celular), cuja característica principal é a perda do controle normal da multiplicação e crescimento celular. Isso leva à perda da diferenciação celular, crescimento desregulado e invasão de tecidos locais e a distância (metástases). O termo neoplasia também é originário do grego neo, que significa novo, e plasma, algo formado, e é usado como sinônimo para todo novo crescimento anormal, que pode ser benigno ou maligno (câncer). Outra palavra comum é tumor, que literalmente significa inflamação (de vários tipos), mas que é usada como sinônimo de neoplasia, devido ao fato de tratar-se de um processo que cresce, mas de forma desorganizada, ao contrário do processo inflamatório organizado. O processo inflamatório e tumoral foi descrito por Aulus Cornelius Celsus, que viveu em Roma no início da Era Cristã (25 a.C. - 50 A.D.) no reinado de Tiberius César, filho de uma família nobre, os Cornellii. Celsus não foi médico, mas sim um grande enciclopedista. A medicina praticada em Roma o era quase que exclusivamente por médicos gregos. Adicionalmente eram numerosos os charlatães que prescreviam ervas, amuletos ou encantamentos. Isto favorecia o sucesso de nomes como Asclepiades de Bitinia, Antonius Musa, Scribonius Largus, Temison de Laodiceis, Tessalos de Trales, Pedanios Dioscorides, Antilos, Rufo e Sorano de Efeso, todos gregos. Claurissimus GALENO ou simplesmente GALENO, outro médico grego, foi o grande destaque da época, onde a medicina era considerada uma profissão indigna para um cidadão romano. A idéia de um romano vestindo uma toga e trabalhando em pequenos locais prescrevendo óleos e poções para gladiadores, efetuando sangrias em escravos e tratando problemas de amor entre mulheres suspeitas - uma prática freqüente entre os médicos gregos - era pouco aceita. Por isso, médicos gregos vieram a Roma e conseguiram o apoio de cidadãos eminentes, nobres e cônsules. Muitos deles tornaram-se ricos e famosos. Mais tarde, embora a maioria dos médicos praticantes fosse grega, passou a existir um número significativo de médicos romanos. Como a civilização da época era eminentemente militar, os médicos romanos eram militares. Celsus apenas compilou o conhecimento existente, incluindo a medicina, onde descreveu o processo inflamatório com suas características, dor, calor, rubor e tumor na obra DE RE MEDICINA, o segundo livro a ser impresso (1478), depois da Bíblia (1455), após a descoberta da imprensa pelo gênio alemão Johannes Gutenberg (1396-1468).
O controle do câncer pode ser obtido por meio de prevenção, detecção precoce e terapêutica cirúrgica e/ou quimioterapia. É importante neste processo identificar as pessoas com risco aumentado de desenvolver câncer como conseqüência da exposição a fatores ambientais (p. ex., tabagismo, alcoolismo, asbestos), bem como devido fatores predisponentes individuais (albinismo e câncer de pele, polipose intestinal, agamaglobulinemia). A caracterização bioquímica das células tumorais, dos mecanismos reguladores da multiplicação celular e a detecção de rotas bioquímicas anormais na diferenciação celular permitirão no futuro um tratamento mais preciso e mesmo curativo dessas doenças. Alterações nas membranas celulares ou na produção de substâncias químicas peculiares já são reconhecidas, como o antigeno carcinoembrionário em pacientes com neoplasias gastrintestinais, a alfa-fetoproteína associada ao hepatoma e a proteína gama encontrada em vários tipos de tumores. A síntese dessas substâncias, que ocorre normalmente na vida fetal, pode estar relacionada à desrepressão de genes funcionais no processo da oncogênese, devido à atuação de inúmeros e variados agentes químicos mal definidos. Uma neoplasia pode ocorrer em qualquer tecido e em qualquer idade. A maioria das neoplasias detectadas em sua fase inicial é potencialmente curável, daí a importância da vigilância permanente para a detecção precoce do câncer no ser humano. Por isso, é recomendado pela American Cancer Society que exames periódicos sejam efetuados nesse sentido, conforme o Quadro 2 a seguir.
Quadro 2 - Exames para detecção precoce do câncer
Exames para detecção precoce do Câncer | |
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Homens e Mulheres | |
Exame Retal | Anualmente após os 40 anos |
Sangue oculto nas fezes | Anualmente após os 50 anos |
Exame proctoscópico | Cada 3 anos após os 50 anos |
Mulheres | |
Auto-exame da mama | Mensalmente após os 20 anos |
Exame clínico das mamas | Cada 3 anos entre 20-40 anos |
Papanicolaou | Anualmente após os 40 anos Cada 3 anos entre 20 e 65 anos |
Exame ginecológico | Cada 3 anos entre 20 e 40 anos Anualmente após os 40 anos |
Mamografia | Um exame inicial entre 35 e 40 anos Exame cada 2 anos até os 49 anos Exame anual após os 50 anos |